domingo, 22 de abril de 2018

Technogestalt





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Os gritos parecem humanos, mas certos tipos de inimigos conseguem soar mais humanos do que você. A máscara contra miasma abafa sons mais baixos. Junto com a escuridão, também o impede de enxergar o próprio mosquete. Não importa, pois está acostumado a manuseá-lo nestas condições. Você se concentra em numerar as coceiras por medida crescente de intensidade. O talco higiênico escorreu junto com a transpiração dias atrás. Não consegue sentir o gosto de nada exceto o sal das gotas de suor que correm pelo rosto. Comer significa expor o rosto, que por sua vez leva a queimaduras na pele e na laringe. O nariz só consegue cheirar o interior da máscara: couro úmido e rançoso. Ótimo. Isso quer dizer que o filtro está funcionando. Uma brecha no miasma melhora a visibilidade. Você percebe um calombo estranho em uma paisagem tornada familiar por sessenta e sete dias e noites de observação constante. Os protocolos são sempre claros. Você mira, prende a respiração, dispara. O miasma engrossa antes que possa confirmar um acerto. Os gritos param. Essa é a rotina de um soldado de Scarnost.

Este símbolo é usado por Technogestalt para se identificar como uma sociedade,
denotando a importância do conceito de Panoptischen.


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Uma "máquina de escrever" technogestáltica.
Scarnost é o continente ao extremo norte de Ghara. Fora a crença de que foi o refúgio buscado por Niemand, era quase desconhecido até a invasão neftuliana de 700 anos atrás. Dela resultaram consequências que ainda moldam o presente de Ghara. Da perspectiva do império a mais notável é a existência de Technogestalt. Uma nação sem igual em todo o planeta, e em guerra desde sua fundação após o apocalipse necromântico trazido por Neftul. Os países, culturas e raças de Scarnost foram dizimados por infindáveis mortos-vivos. Os poderes necromânticos de Arcantos e seus asseclas, assim como outras habilidades arcanas e até a corrupção de conjuradores locais resultaram em uma aversão violenta à magia, perpetuados na sociedade technogestáltica atual. Sabem-se que sobreviventes viajaram ao polo norte, retornando com armas e ferramentas extremamente sofisticadas. Estes se tornaram o núcleo de uma resistência dependente em aparatos mecânicos e armas pneumáticas, disputando com Neftul o controle dos poços de fel até hoje.


Enquanto isso, a resistência scarnostiana foi moldada, por pressões internas e externas, em uma sociedade neosargonista, considerando tudo, dos recursos naturais a seus habitantes, como partes de uma máquina extremamente complexa e administrada por uma entidade denominada Technogeist. O princípio básico da sociedade technogestáltica se chama Panoptischen, e guia sua cultura, arquitetura e planejamento. As necessidades da guerra perpétua tornaram Technogestalt disposta a trocar algumas proezas tecnológicas menores por matérias-primas extintas em Scarnost. Especificamente, trens por madeira de lei, cavalos e grãos. Sua maestria em máquinas pneumáticas e a vapor é amplificada pelo uso daquilo que Neftul deseja: fel, um óleo viscoso extraído da terra, comum em Scarnost mas raro em qualquer outro lugar. Por necessidade defensiva exploraram todas as formas de empregar esta substância, em suas armas, veículos, e pessoas.

   A expressão máxima da tecnologia scarnostiana são os fiscais de Technogeist: soldados superiores denominados geisthane, humanos sujeitos a um reprocessamento chamado mechamorphose, modificações cirúrgicas e químicas para melhor enfrentarem as proezas sobrenaturais que Neftul emprega, sejam magia ou simples necrose. Sono, comida e água tornam-se quase desnecessários, dando-lhes uma imunidade à fadiga equivalente aos mortos-vivos de Neftul. Imersões em fel permitem que seus corpos sejam receptivos a próteses e orgãos sobressalentes, desde enxertos blindados a sistemas complementares para pulmões, de armações hidráulicas para maior força a acréscimos cranianos desfiguradores. Curiosamente, isto torna os geisthane mais humanizados em atitude e maneirismos. Décadas de operação contínua, necessidade de iniciativa e reação a mudanças em combate, longos períodos de isolamento da vigilância social scarnostiana; todos estes fatores conspiram para que geisthane possam conservar sentimentos próprios, e até cultivá-los. Alguns até possuem crenças proibidas, como adoração de deuses mórbidos tais quais Carnifícius.

     O império do norte mantém laços formais com Technogestalt desde 1322. Ainda assim, apenas alguns nortenhos já estiveram no continente. Negociações são conduzidas em uma ilha fortificada próxima à costa scarnostiana, sob alcance da artilharia continental.

O Windbüchse, modelo mais produzido dos mosquetes pneumáticos scarnostianos.  Possui diversas vantagens sobre armas de fogo sarbenhas: usando ar comprimido, não é barulhento, nem provoca clarões chamativos ou obscurece o campo de batalha com fumaça; ao invés de pólvora é bombeado à mão, dispensando linhas de suprimentos vulneráveis; a ausência de pederneira o torna à prova a chuva e umidade; não há riscos do cano ficar entupido com resíduos de pólvora; pode carregar vinte tiros enquanto os melhores mosquetes de repetição kosinbianos estão limitados a doze; finalmente, seu alcance efetivo é de 115 metros, enquanto mosquetes dificilmente ultrapassam 70m. Cobiçada por muitos e de exportação proibida, apenas alguns exemplares contrabandeados podem ser encontrados em Sarba.

 

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     Landkreuzers são colossos mecânicos sobre trilhos duplos, núcleos de uma frota de vagões em diversas configurações e tamanhos, desde os pequenos batedores até os tanques de água e carvão. Uma vez estacionados podem disparar sua artilharia primária, desenvolvida como um deterrente contra os temores de que Neftul possa um dia se transportar magicamente atrás das linhas defensivas costeiras, como fez quando devastou a Scarnost pré-Ragnarok. Sua função secundária como sistemas de supressão de bunkers rebeldes também é bastante útil. Os "cavalos de ferro" adquiridos pelo império do norte são versões menores e mais rústicas destas máquinas, sem a tecnologia baseada em fel.

 


   O pragmatismo pode ser inquietante para estrangeiros. Um scarnostiano sabe que o sabão que usa, o fertilizante aplicado na plantações, o óleo que lubrifica a roldana do balão-vigia e ingredientes nas rações diárias vem de cadáveres, incluindo mortos-vivos considerados aproveitáveis. Ao mesmo tempo, Technogeist evita desperdiçar as vidas de seus subordinados, pois os seus cálculos a longo prazo mostram que isso é uma estratégia insustentável.

 

Eles possuem centenas de códigos, talvez mais, cada um correspondendo a uma tática específica de Neftul e as contra-medidas correspondentes. Por exemplo, código 36 significa que bake-kujira, uma espécie de baleia zumbi, está rastejando e devorando plantações, e que deve ser imobilizada com rapidez, antes que fermente a ponto de estourar banha podre e inflamável sobre um campo de trigo. Nada voltou a crescer nos lugares onde isso aconteceu.
-Dorius Gaunimm, diplomata imperial, estabelecido em Scarnost.

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