segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Golfo dos Sargassos e Costão de Távira

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As árvores quase crescem a olhos vistos. Minadas pelas ondas e golpeadas pelos ventos, são lançadas ao mar inteiras, carregando bolsões de terra úmida. Continuam a flutuar de pé, com um emaranhado de cipós entre os galhos ásperos que mais parece uma armadilha para o cordame de uma caravela. Os abalmianos chamam-nas de "greenbergs". Um deles me disse que ao invés do gelo que derrete em alto-mar, essas ilhas ambulantes podem acumular algas marrons de odor podre, detritos carcomidos, carcaças de baleias e um navio ou dois; caranguejos gigantes e umóks amigáveis já foram encontrados nelas.
-Diário de bordo do galeão pirata Bardylis, capturado pela marinha imperial em 1413.

Esta região de naufrágios, árvores flutuantes e feras marinhas é o porquê de navios que partem do império a Kavaja não poderem usar de cabotagem. Além dos "greenbergs", as correntes traiçoeiras entre os corais e a violência dos ventos prometem desastre e perdição; sempre há o temor de que uma ilha logo além das áreas perigosas se revele como o dorso de um monstro marinho incomodado pelos intrusos que queimam o deu dorso com uma fogueira. A camada de algas que cobre a água é grossa o suficiente em algumas áreas para suportar o peso de uma pessoa, mas além de ser pegajosa, basta um passo em falso para ficar enredado em algas ou submergir no mar abaixo. Por estas e tantas outras razões que alguém ouve nos bares dos portos, rotas que contornem Ka'aari só são seguras para navios que possam seguir pelo mar aberto.

Uma linha de quinze faróis demarca a fronteira entre o sucesso e o desastre de uma viagem. Pilares erguidos e abençoados pelo culto de Ourgos ficam sobre rochedos pouco abaixo da superfície, encimados por prismas que brilham devido ao poder de Diveus. Dia sim, dia não, são desgastados por ondas que se elevam acima do farol quando arrebentam. As expedições de reparos são tão ingratas e perigosas que são compostas de aventureiros guardando escravos motivados pela promessa de liberdade no retorno.

Costão de Tavira

Esse é o único porto seguro no Golfo dos Sargassos, mas mesmo assim, apenas embarcações de calado pequeno conseguem chegar até as docas. Uma cidade umók estabelecida sobre e em volta de um enorme sambaqui em forma de ferradura, que por sua vez cobre um recife. O sambaqui cresceu ao longo de centenas de gerações de umóks até se tornar um ilhéu. Além de conchas vazias e ossos de peixes, aqui fica um templo a céu aberto dedicado aos ancestrais, pois os umóks enterram os seus mortos no sambaqui. Dezenas de embarcações encalhadas ao longo dos anos foram viradas de ponta cabeça e erguidas sobre palafitas para servirem como casas. Aquacultura e pesca sustentam cerca de vinte mil habitantes. Eles criam peixes em gaiolas flutuantes e ostras em cordas submersas. Potes de cerâmica servem de armadilhas para lagostas e polvos. Bosques de algas alimentam e provém ingredientes alquímicos.

O folclore oral umók conta que o recife já foi uma ilha, mas três terremotos em sequência a submergiram, junto com uma cidade chamada Pavlopetri. As ruínas da mesma podem ser vistas através da água límpida. Portas e janelas enormes sugerem que os antigos habitantes eram gigantes. A cidade tinha ruas pavimentadas, um porto, oficinas de cerâmica, muralhas e forjas onde se trabalhava o bronze. O topo de uma grande torre torta fica acima da água, servindo de salão para o conselho dos anciões que governa a cidade.

Costão tem várias mercadorias para quem para aqui. Rações de peixe e alga secos; expedições baleeiras trazem muita carne, óleo, cetina e ossos à cidade, quando voltam; artesãos que fabricam as canoas catamarãs características da raça; marujos, caçadores e guias experientes; os umóks criam ostras, usando técnicas secretas para induzir pérolas de muitos tamanhos, formatos e cores específicos, incluindo variações exclusivas para sacrifícios a Nyxcilla; a raça anfíbia também instalou muitas redes e armadilhas em certos pontos para prender itens à deriva, seja madeira à deriva, polvos, canoas abandonadas, botas de couro, lagostas ou baús caídos de navios. Das ruínas submersas, eles recuperam grandes ânforas contendo broches de prata, armaduras de bronze, cadáveres, lâminas de lanças, lingotes de cobre e até machados dourados, tudo do tamanho apropriado para gigantes.

Um produto local exclusivo é o narcótico iakca, extraído de moluscos venenosos. Ele provoca uma grande euforia que é intensificada por adrenalina, gerando grande felicidade em situações de vida ou morte como a caça de baleias, duelos e conflitos. Muitas tribos guerreiras de Ka'aari buscam adquirir estoques de iakca.

A riqueza acumulada pelo comerciante e líder local, Pérolos de Ergas, é tanta que já comprou um título de visconde, reformou um galeão em uma fortaleza flutuante e tem a atenção de uma clientela tão rica quanto influente na política nortenha. O nobre exótico criou uma milícia anfíbia, usando alabardas, elmos e escudos feitos de cascos de tartaruga, e couraças de latão adornadas por pérolas vermelhas e negras. Têm muita experiência em caçar piratas, contrabandistas e caranguejos gigantes em meio às algas, manguezais e um cemitério com lápides feitas no formato de âncoras que acomoda tanto pessoas quanto barcos.

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